Aquecimento global: a França ficará sem água para resfriar suas usinas nucleares?

Se os recursos hídricos forem suficientes para operar a frota de reatores até 2050, a produção de eletricidade nuclear terá que se adaptar às consequências do aquecimento global.

Fotografia: AIEA - AFP

Com o aquecimento global aumentando a frequência das secas, algum dia ficaremos sem água para resfriar as usinas nucleares? O risco de escassez de água preocupa a oposição, que levantou esta questão durante os debates para a aprovação da lei relativa à aceleração dos processos ligados à construção de novas instalações nucleares. O texto, já aprovado no Senado e discutido segunda-feira, 13 de março, na Assembleia Nacional, visa, em especial, acelerar a instalação de seis novos reatores EPR 2.

O temor da falta de água, porém, parece infundado para a relatora do texto, Maud Bregeon, deputada renascentista por Hauts-de-Seine. "Ouvi nas últimas semanas que as usinas consomem água. Estamos com falta dela, então [devemos] não construir usinas. Ao contrário do que diz o EELV/LFI, a água necessária para resfriar as usinas nucleares não é consumida, mas retirado e devolvido", insistiu o deputado de Hauts-de-Seine, em 2 de março na Comissão de Assuntos Econômicos. Comentários considerados como "inverdades" pelo secretário nacional da EEVL Marine Tondelier. “Quase um terço da água consumida na França é destinada a usinas nucleares, ela respondeu no Twitter em 7 de março. Não haverá água suficiente em nossos rios para resfriar as usinas."

Nuclear consome centenas de milhões de toneladas de água

Resfriar um reator, como aponta Marine Tondelier, requer quantidades colossais de água. Segundo dados do Ministério da Transição Ecológica (documento PDF), cerca de 21,5 bilhões de m3 de água foram retirados em 2009 para resfriamento de usinas de energia, que são principalmente nucleares na França. Segundo esta mesma fonte, o sector da energia representa cerca de dois terços dos volumes de água captados em França, muito à frente das captações para água potável (17%). Esse recurso é devolvido à natureza, como afirma Maud Bregeon? Contactada pela franceinfo, a EDF garante que “a água captada pelas 18 centrais nucleares é devolvida a 98,5% no meio natural e próximo do local de captação”.

No entanto, o volume de água retirado, mas não devolvido ao meio aquático – principalmente água doce – continua significativo. Segundo a EDF, em 2021 foram assim consumidos 407,6 milhões de m3 de água pelas 13 centrais instaladas nas margens do rio. Um artigo de arquivo do site do Ministério da Transição Ecológica mostra que o resfriamento de usinas, principalmente nucleares, representa quase um terço (31%) do consumo anual de água na França, o que credencia a tese de Marine Tondelier. Contactado pelo franceinfo, o ministério acrescenta que este valor, que não é atualizado “há 14 anos”, deve no entanto ser atualizado porque “não reflete a realidade do consumo”. A versão online atual do artigo em questão também especifica que o conteúdo está "em revisão".

Adaptação às ondas de calor, uma necessidade

Nos últimos anos, a recorrência das ondas de calor já obrigou as usinas nucleares a adaptar sua produção. Não por falta de água, mas sim por causa da temperatura muito alta de suas descargas de água de resfriamento. "As descargas das usinas devem respeitar uma temperatura máxima dos rios a jusante", explica Eric Gaume, hidrólogo da Ecole des Ponts ParisTech. Os reatores de fato devolvem à natureza uma água mais quente "até cerca de 10 graus", especifica Olivier Dubois, vice-diretor de especialização em segurança do Instituto de Proteção Radiológica e Segurança Nuclear (IRSN).

Isso representa um problema durante as ondas de calor. Durante a seca do verão passado, as centrais do Ródano tiveram assim de pedir uma isenção à Autoridade de Segurança Nuclear (ASN) para continuar a descarga das suas águas residuais, uma vez que a temperatura do rio a jusante das centrais estava acima das normas ambientais.

"As usinas também devem obedecer às restrições mínimas de vazão do rio", acrescenta Nicolas Goldberg, sócio da Colombus Consulting, empresa que presta serviços de consultoria para empresas do setor de energia. "De acordo com os acordos assinados com a Bélgica, a central de Chooz nas Ardenas deve, por exemplo, respeitar limites em relação ao fluxo do Meuse, ilustra Olivier Dubois. Se o fluxo cair abaixo de 22m3 por segundo, a central deve parar um de seus reatores. Abaixo de 20m3 por segundo, seus dois reatores devem ser desligados."

“Se temos que diminuir a potência dos reatores durante os períodos de seca, é sobretudo para preservar a biodiversidade, não por questões de segurança”, lembra porém Nicolas Goldberg. Segundo a EDF, a queda na produção anual das usinas Rhône, apesar da seca de verão, foi limitada a 0,2% em 2022.

Uma perda "significativa" de potência

O que esperar para o futuro? De acordo com o relatório prospectivo Futurs Energétiques 2050 (documento PDF, página 413) publicado pela RTE em junho passado, em 2050, para as centrais localizadas nas margens do rio, "o aquecimento global aumentará o risco de indisponibilidade, ou seja, uma redução na produção ou no desligamento de reatores, por "dois ou três". a temperatura de suas descargas de água", alerta Eric Gaume.

No total anual, as perdas de produção de eletricidade devido a ondas de calor ou secas vão, no entanto, manter-se “muito baixas”, estima a RTE. Por outro lado, segundo o estudo, o risco de indisponibilidade da energia elétrica da frota de reatores pode chegar a 8,5 GW em dias de estiagem. Isso representa quase 14% da potência da frota atual (61,4 GW), perda qualificada como “não insignificante” pela RTE. "A questão do consumo de água não será o problema mais importante decorrente do aquecimento global, no entanto, julga Nicolas Goldberg. Dois dos próximos três canteiros de obras das novas EPRs serão localizados à beira-mar, onde não haverá problemas de escassez de água. Para esses reatores, é antes contra o aumento do nível do mar que devemos nos proteger."

Com franceinfo, a EDF afirma já ter tomado uma série de medidas contra os efeitos das mudanças climáticas. O eletricista declara, em particular, ter melhorado o desempenho dos sistemas de refrigeração a ar, reconhecíveis pelas grandes torres dos reatores por onde o vapor escapa, “para que consumam menos água”. Apesar de um impacto tangível da mudança climática, parece que, mesmo no longo prazo, as usinas nucleares ainda encontrarão recursos hídricos suficientes para operar.

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